Este tema é bastante abrangente e requer um estudo mais aprofundado sobre seu significado. Ele vem de vários séculos através de grande número de ordens religiosas católicas, onde durante toda a Idade Média eram oferecidos alojamentos pelos mosteiros, principalmente para os peregrinos, pobres e enfermos. Já nos séculos XI e XIV houve uma mudança nas formas de alojamento em virtude do desenvolvimento da economia, que passa de hospitalidade privada para a hospitalidade pública e paga. Resolvi colocar de forma resumida o conceito pelo olhar de cada autor. Vale a leitura!!
Reflexões e Definições sobre Hospitalidade – Levantamento por Autores
Finley (1965) em seu “O mundo de Ulisses”, nos explica, didaticamente, o surgimento e o significado da hospitalidade. Para ele, nos tempos primitivos, o homem vivia em estado de luta permanente, de guerra de morte contra o estrangeiro. A seguir, intervieram os deuses e, com seus preceitos, apresentaram aos homens o dever de hospitalidade. Desde então, o homem teria de seguir o difícil caminho entre dois pólos: a realidade de uma sociedade em que o estrangeiro era uma ameaça e o novo ideal moral, “abençoado pelos deuses” e chancelado por Zeus Xenios “protetor do hóspede e do hospedeiro (ambos xenos). Pode-se dizer, então, que são os vínculos de hospitalidade que permitem o apaziguamento e a redução de tensão entre esses dois pólos. Como lembra Gotman, a hospitalidade tem sempre a inospitalidade como horizonte.
Visser (1990) liga o relacionamento entre o anfitrião e o hóspede através da raiz linguística comum dos dois termos. Ambas se originam de uma palavra comum indo-européia (ghostis), que significa “forasteiro” e, por meio disso, “inimigo” (hospitalidade e hostil possuem raiz similar), mas a ligação expressa neste termo simples “refere-se não tanto ao próprio povo, ao hóspede e ao anfitrião, mas ao relacionamento entre eles”. É um relacionamento baseado nas obrigações mútuas e, em última análise, na reciprocidade. Enfim, o hóspede torna-se o hospedeiro em outra ocasião. (LASHLEY, 2004).
Baptista (2002) define a hospitalidade como um modo privilegiado de encontro interpessoal marcado pela atitude de acolhimento em relação ao outro. As práticas de hospitalidade deverão marcar todas as situações da vida, ou seja, a hospitalidade não deverá ficar circunscrita à disponibilidade para receber o turista, o visitante que chega de fora e está de passagem pela cidade, é necessário que esta atitude de acolhimento e cortesia, seja a todo o próximo, seja o vizinho, o colega de trabalho, um desconhecido.
Derrida (2003), a hospitalidade é, por definição, incondicional, ela está sempre condicionada pelas condições da realidade. Daí o seu oposto, seu paradoxo, sua impossibilidade. Para este autor, a hospitalidade é o nome geral para todas as nossas relações com o outro”.
Para Boff (2005) a hospitalidade é utopia e prática, integra o sonho e a realidade em suas margens. Ou, como ele mesmo diz: A hospitalidade é antes de mais nada uma disposição da alma, aberta e irrestrita. Ela, como o amor incondicional, em princípio, não rejeita nem discrimina a ninguém. É simultaneamente uma utopia e uma prática. Como utopia representa um dos anseios mais caros da história humana: de ser sempre acolhido independente da condição social e moral e de ser tratado humanamente. Como prática cria as políticas que viabilizam e ordenam a acolhida. Mas por ser concreta sofre os constrangimentos e as limitações das situações dadas.
A hospitalidade é também, segundo Montandon (2003) “uma maneira de se viver em conjunto, regida por regras, ritos e leis”. Nesse sentido, a hospitalidade é “concebida não apenas como uma forma essencial de interação social, mas também como uma forma própria de humanização, ou no mínimo, uma das formas essenciais de socialização”.
Já Lashley(2004) utiliza-se da reflexão de Visser para afirmar que a hospitalidade é relacionamento. A hospitalidade, sendo a base da sociedade, tem como função estabelecer relacionamentos ou promover um relacionamento já estabelecido. É a possibilidade de encontros que podem levar à relacionamentos, propiciando a troca e o benefício mútuo para o anfitrião e o hóspede.
Se o intuito da hospitalidade é criar e manter relações sociais, o ambiente que a pessoa está passa a ter significado, criando identidade e memória com o mesmo (MARCHES; ANTONIO; SOUZA; CASTALDELLI, 2008).
Selwin (2004) reafirma essa idéia, sobre a função básica da hospitalidade que, segundo ele, além de estabelecer um relacionamento, promove relacionamentos já existentes: Os atos relacionados com a hospitalidade, desse modo, consolidam estruturas de relações, afirmando-as simbolicamente, ou (no caso do estabelecimento de uma nova estrutura de relações) são estruturalmente transformativas. No segundo caso, os que dão e/ ou os que recebem hospitalidade não são mais os mesmos, depois do evento, como eram antes (aos olhos de ambos, pelo menos). A hospitalidade transforma: estranhos em conhecidos, inimigos em amigos, amigos em melhores amigos, forasteiros em pessoas íntimas, não-parentes em parentes.
Nestes tempos “complexos e frágeis em que vivemos” (BAPTISTA, 2005) a hospitalidade aponta para um modelo de relação, a ser resgatado, no qual se compartilha cuidados e conhecimentos, na qual se aguarda e atenta para o outro.
Vale lembrar que as organizações hoteleiras que se abrigam sob a denominação hospitalidade, também não hesitam em definir hospitalidade como hotelaria. Basta ver como a hospitalidade é complexa, não há um consenso único sobre o que ela significa, mas o que há de comum é que ela tem um significado de agregação de valor para os homens. Quem sabe bem de perto com o espírito e a ação de servir.
Outra abordagem menos teórica e mais prática no segmento empresarial, vem de Danny Meyer (2006), o Rei da Gastronomia em New York, que através de sua experiência em abrir seus primeiros restaurantes, trouxe conceitos nascidos de sua visão quando se fala em hospitalidade no servir. Ele diz que a hospitalidade é o fundamento de sua filosofia de negócio, nada é mais importante de como alguém se sente numa transação comercial. Ela existe quando você acredita que o outro está de seu lado. Ela deve ser rica de atenção aos detalhes e como seu receptor percebe este serviço, faz toda a diferença. Ele também ressalta que é preciso tanto ótimo serviço quanto ótima hospitalidade para se chegar ao topo.
Nesta abordagem mais relacionada à hospitalidade empresarial, fica evidente o quanto os pilares da hospitalidade (pessoas, processos, ambiente, comunicação e cultura) precisam estar atrelados para se conseguir esta experiência ” memorável”.
A alegoria da Hospitalidade
A seguir, apresenta-se a alegoria da hospitalidade, datada do século XVI, onde se pode verificar a presença de alguns elementos envolvidos nesta discussão. Em primeiro lugar, nota-se a representação do sexo feminino, com uma postura benfazeja, de oferecimento, de acolhimento, tanto à criança, como ao peregrino.
Segundo Ripa (apud SCHÉRER, 1993), esses são seus hóspedes preferidos “um, não podendo ganhar a vida em razão de sua tenra idade e o outro só podendo conseguir com dificuldade, visto estar fora de seu país”. Este último, simbolizado à sua direita, com a concha que o identifica como piedoso do Caminho de Santiago e que, por extensão, pode-se identificar também com o turista, o que viaja ou vem pelos caminhos (per+agri-pelos campos). À sua esquerda, à criança carente, representada sem vestes e que não pode buscar sua segurança e nem seu próprio sustento, oferece a cornucópia plena de frutas. Figura generosa, de gestos amplos, braços abertos num abraço acolhedor, com um meio sorriso-ambos-sorriso e abraço- exemplos, hoje, da hospitalidade.
Referências Bibliográficas
– BAPTISTA I. Lugares de hospitalidade . In DIAS, C. (ORG) Hospitalidade, reflexões e perspectivas. São Paulo: Manole, 2002.
– BOFF, L. Virtudes para um outro mundo possível, vol I: Hospitalidade: direito e dever de todos.Petrópolis: Vozes, 2005.
– CASTELLI, G. Hospitalidade na Perspectiva da Gastronomia e da Hotelaria. Editora saraiva, 2006.
– DARKE, J. GURNEY, C. Como alojar? Gênero, hospitalidade e performance. In LASHLEY, C. MORRISON, A. Em busca da hospitalidade perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP:Manole, 2004.
– DERRIDA, J. DUFOURMANTELLE, A. Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar de hospitalidade . Rio de Janeiro: Escuta, 2003.
– LASHLEY, C. MORRISON, A. (Orgs) Em busca da hospitalidade : perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004.
– MARCHES, J. S.; ANTONIO, R. B.; SOUZA, T. M. M. M.; CASTALDELLI, V. A. Companhias aéreas: o e-commerce e a hospitalidade virtual. 2008. 81 f. Monografia (Especialização em Planejamento e Gestão da Hospitalidade em Turismo). Integrale Sistemas de Ensino/Fecap. Bauru, 2008.
– MEYER, D. Hospitalidade e Negócios. São Paulo, Editora Novo Conceito, 2006.
– MONTANDON, A. Hospitalidade: ontem e hoje. In DENCKER, Ada F.M. BUENO; M.S. (Orgs) Hospitalidade : Cenários e Oportunidades. São Paulo: Pioneira-Thomson, 2003.
– MOYA, Y. M. S. e DIAS, C.M.M. Hospitalidade: da Imagem ao Simbólico. Universidade Anhembi Morumbi – Trabalho apresentado no VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação. NP Comunicação, Turismo e Hospitalidade.
– SCHÉRER, R. Zeus hospitalier-éloge de l´hospitalité. Paris, Armand Colin, 1993.
– SELWYN, T. Uma antropologia da hospitalidade. In LASHLEY, C. MORRISON, A. Em busca da hospitalidade : perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004.
– TELFER, E. A filosofia da “hospitabilidade”. In LASHLEY, C. MORRISON, A. Em busca da hospitalidade : perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004