Opinião: “Só consigo pensar em “serviço” como aquilo que nos faz sentir “em casa”
Só consigo pensar em “serviço” como aquilo que nos faz sentir como se estivéssemos “em casa”, apesar do ambiente público do restaurante. Na história, vários modelos se sucederam: à francesa, à russa, à inglesa.
Entre nós, acrescentamos o escravista, onde as idiossincrasias do senhor moldavam o serviço do escravo, conforme relatam os viajantes do século 19, surpresos com as diferenças em relação aos padrões europeus.
Nesse modelo estava contido o modo do cliente se dirigir ao garçom ainda hoje. Em geral precedido pelo “por favor”; mas, não raro, o verbo no imperativo -“traga água!”- nos remete aos velhos engenhos de açúcar.
Essa relação de duas mãos, na hospitalidade, tem mudado, a ponto de indicar uma crise profunda daquilo em que se apoia.
Clientes e donos de restaurantes mudam de hábitos, mas nem sempre as coisas confluem.
Quando levo meu vinho, cobram ou não a “rolha”, mas sobre esse serviço, que nunca tem preço visível no cardápio, não raro cobram 10% de “serviço”.
Quer dizer, “serviço sobre serviço”?
Colocam o couvert à mesa, sem que eu peça; servem água em profusão. Você precisa estar vigilante, o oposto do relaxamento idealizado.
Quando chega o cardápio, os pratos são descritos em minúcias técnicas que você mal conhece: cocção a baixa temperatura, biológico, telha, espuma etc.
Como os proprietários sabem disso, treinam os garçons para a monótona recitação ritual, desprovida de conteúdo. Experimente perguntar: “em qual temperatura exatamente foi feito”? O discurso desmoronará.
Mas as crises podem ser criativas. Há muita coisa nova no ar. O modelo do “quilo” está impregnado de lições e ninguém se debruçou sobre ele para compreendê-lo.
Há também a informalidade do Mocotó, que me faz sentir melhor que nos restaurantes da rua Amauri. Questão de estilo pessoal.
Mas é pela falta de opções de estilo que a hospitalidade paulistana ficou pesada, enfadonha, e nos faz pensar duas vezes antes de sair de casa.
Claro, isso ocorre no momento em que a procura por alimentação fora de casa se aqueceu tanto que permite, aos restaurantes, desdenhar da importância estratégica da hospitalidade.
Autor: Carlos Alberto Dória – sociólogo, professor no IFCH-Unicamp, autor de vários livros sobre cultura e gastronomia, Fonte: Jornal Folha de São Paulo – 07 de outubro de 2010